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A diversidade não cria o problema, mas sim o expõe

Diversidade

Entre 2017 e 2018 realizei mais de 100 palestras e workshops sobre o tema diversidade em grandes empresas brasileiras. Foram mais de 400 horas de treinamentos e 8 mil pessoas impactadas. Estive, literalmente, do Oiapoque ao Chuí, passando por todas as regiões do país em diversos estados.

Empresas dos mais variados segmentos, de 2 mil funcionários até 50 mil funcionários, em contextos com complexidades distintas e teoricamente diferentes problemáticas. Mas em todas elas o que mais me chamou a atenção foi o fato de que as pessoas têm um receio latente, um medo por assim dizer, de começar a trabalhar o tema da diversidade na organização e ter que passar por situações que elas traduzem como dificuldades ou barreiras para lidar com a questão da diversidade.

Alguns profissionais estão tão convictos de que a diversidade trará complicações que começam a focar no que poderia acontecer de ruim. Por exemplo, já fui questionada durante um treinamento sobre como poderia uma mulher ou uma pessoa com deficiência trabalhar em uma área da empresa ou em um município sem segurança? “Isso não tem nada a ver com diversidade, mas sim é gestão de risco” me disse um executivo certa vez.

E sempre pergunto: Segurança em si não é um critério da empresa? Digo, perigo é algo que mulheres e pessoas com deficiência não podem passar, mas um homem ou alguém que não esteja categorizado como pessoa com deficiência pode? Alguns podem ser expostos a situações de risco e outros não? Ou segurança deve ser um critério para todos? Porque se a segurança é premissa e há uma meta de zero acidentes em uma empresa, a solução não está em deixar de contratar mulheres e pessoas com deficiência, mas sim em garantir que existam processos sólidos que garantam a segurança de todos no ambiente de trabalho.

Uma outra história que sempre lembro é de uma profissional de recursos humanos que relatou certa vez estar no refeitório da empresa e a única proteína disponível era um bife. Ao lado dela estava um rapaz que não tinha um dos braços e que se serviu de arroz, feijão e salada. Naquele exato momento algo dentro dela disparou um alarme de atenção e começou a se perguntar “Será que ele é vegetariano?”, “Ou não está pegando a carne porque não conseguiria cortar?”, “Será que ficará ofendido se eu perguntar se quer ajuda para cortar a carne?”, “Será que devo confirmar na cozinha se há outra opção?”.

Então, ela relatou que quando saiu daquele estado de questionamento e voltou a si, o rapaz já estava na mesa comendo tranquilamente, e ela ficou sem saber o que deveria ter feito.

A questão que quero levantar aqui é: será que uma profissional de RH, ou mesmo se fosse um líder, que não consegue fazer perguntas sobre o que uma pessoa quer almoçar ou o que prefere ter em sua guarnição, está apta a fazer perguntas de gestão no dia-a-dia? Ou seja, a questão aqui é entender a capacidade de diálogo assertivo, que no cotidiano pode passar despercebida, mas que no contexto da diversidade fica muito evidente.

Lembremos que a área de RH é responsável por contratar, reter e desenvolver funcionários, ou seja, é um dos principais guardiões da cultura corporativa e de clima organizacional das empresas. Então, será que um profissional da área que “paralisa” diante de uma simples pergunta sobre a preferência do funcionário no almoço, está conseguindo dialogar com os demais funcionários sobre questões importantes para o sucesso da empresa, como: “Você gosta de trabalhar aqui?”, “Qual seu plano de carreira?”, “Como você pode desempenhar melhor suas funções?” etc.

Posso dar outros tantos exemplos, mas na verdade o que quero mesmo é que você pare para pensar na próxima vez que estiver em uma situação onde pareça que a diversidade de gênero, raça/etnia, pessoas com deficiência, LGBT+, geracional e/ou religiosa esteja gerando uma dificuldade ou um problema.

É a diversidade mesmo que está gerando o problema? Ou a diversidade está trazendo à tona problemas que já existem e que devem ser resolvidos? Como, por exemplo, a segurança, a capacidade para o diálogo, a dificuldade de fazer um bom processo seletivo, entre outros.

Sendo bem enfática, a diversidade não cria o problema, nem é o problema, mas com certeza ela descobre entraves da empresa até então ocultos, subliminares e que precisam ser tratados com urgência.

E isso não é ruim. Muito pelo contrário, é ótimo, pois a empresa terá uma oportunidade de trazer para o centro da discussão com seus líderes, com a área de recursos humanos, com a comunicação e todos os demais funcionários uma nova perspectiva de pensar e agir que poderá ser otimizada e até possibilitar a resolução de questões fundamentais, que certamente estavam esquecidas.

Artigo publicado também no site Época Negócios.

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